Ai dos idosos! A nossa sociedade, definitivamente, não foi preparada para suportá-los. Parece que a atenção dada ao semelhante é inversamente proporcional à idade que se tem. Quanto mais precisamos das pessoas, aí é que elas se afastam de nós. A explicação é simples: via de regra, o idoso não tem mais nada a oferecer e, como bem sabemos, o ser humano é um interesseiro de marca maior.
A rejeição que vem por parte do homem comum é discutível, mas a humilhação quando institucionalizada é inconcebível. Não são muitos os países que dão a devida atenção a seus velhos. É preciso ter dinheiro. No Brasil, porém, a impressão que se tem é de que a face da indiferença é mais perversa. Como é que podemos permitir que pessoas que passaram toda a vida dedicada ao trabalho para o seu país morram nas filas morosas que se formam nos bancos que pagam suas míseras aposentadorias? É possível, caro leitor, que você nem se abale mais com isto diante da realidade truculenta que impuseram às nossas vidas. Hoje em dia, ver um cadáver na calçada não é mais o universo de um filme de terror, mas uma imagem perfeitamente possível depois do café da manhã ou antes do jantar. Não se espantem com o que eu vou dizer, mas no trajeto para o meu trabalho, faz algum tempo, fui obrigado a conviver, durante alguns dias, com a cabeça de um estuprador, que rolava pelas ruas, sem que fosse retirada, por ordem explícita de um paladino traficante que havia mandado matar o maníaco. Então, se isto faz parte do nosso dia-a-dia, a morte de velhos nas filas de pagamento é, antagonicamente, brincadeira de criança. O alijamento de pessoas que já passaram da idade produtiva, então, pode ser considerado uma virtude para os mais empedernidos.
A natureza é sábia. Devagar, todos seguiremos o mesmo caminho. Não se abale, meu jovem. Um dia, a catarata vai fazer você pedir ajuda ao seu neto e pode ser que ele ria da sua condição. Um dia, a osteoporose vai quebrar o seu fêmur, minha menina, e você vai procurar um centro ortopédico que não existirá, caso seja mais uma deserdada de nossa pátria amada. Um entre cinco homens está condenado a ter câncer de próstata e, sinceramente, espero que você eu não sejamos parte desses vinte por cento escolhidos pela natureza e excluídos pela ciência. Por maior que seja o nosso orgulho, não tem jeito: uma bengala, uma mão amiga ou um leito provavelmente estará presente no momento mais amargo de nossas vidas. Não quero que tudo isto sirva para reflexões e que, de repente, quem era mau passe a ser bonzinho. Afinal de contas, caráter não se força. O respeito pelo semelhante, independente da idade que se tenha, já estaria de bom tamanho.
Às duas horas da tarde de um dia útil qualquer, olho pela janela e tento entender o que se passa na praça próxima ao meu apartamento. Alguns idosos jogando baralho, outros jogando piadinhas para as meninas que passam, alguns mais tomando cerveja num quiosque. Algumas senhoras, também paradas, provavelmente falam de algum episódio doméstico que já deve ter ocorrido mais de mil vezes ao longo de suas vidas. Outras pessoas passam ao largo e mal observam esse quadro patético. Não há tempo para ver o que não interessa, o que não dá retorno. A praça é e sempre será o refúgio dos iguais, mas os homens jamais admitirão a igualdade como princípio. Os que pensavam que admitiam estavam apenas massacrando os seus povos de outra maneira.
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